Zika gera problema teológico para Igreja Católica
Vírus testa posição da Igreja sobre o controle da natalidade
Além de um problema de saúde grave, a epidemia de zika que se espalha pela América Latina está gerando um embate teológico. Afinal, autoridades de países latinos, com maioria católica, têm aconselhado as mulheres a não engravidar nos próximos anos. Mas o Vaticano há muito proíbe quase todas as formas de controle de natalidade, permitindo apenas a polêmica “tabelinha”.
Isso representa um dilema teológico para a Igreja Católica Romana, de acordo com padres e especialistas. O padre John Paris, especializado em bioética e professor no Boston College, afirma que o assunto merece atenção. “Haverá uma série de problemas para os bispos resolverem”, enfatiza o professor da Universidade de Michigan, Daniel Ramirez. Ele é especialista em cultura religiosa da América Latina.
O fato é que os defeitos de nascença associados a transmissão do zika, como a microcefalia não podem ser ignorados. A ponto de a Organização das Nações Unidas (ONU) defender que países com surto do vírus zika autorizem o aborto em casos de infecção em gestantes.
O país mais atingido até o momento é o Brasil, que contabiliza 404 bebês nascidos com microcefalia – outros 3.670 casos estão sendo investigados. Em seguida, vem a Colômbia, que admite 500 casos de recém-nascidos com microcefalia, e mais 500 com a síndrome de Guillain-Barre.
Além do Brasil e da Colômbia, o governo de El Salvador recomenda que as mulheres evitem engravidar nos próximos anos.
Teologia x Prática
Caso a igreja católica não mude de opinião, os católicos praticantes precisarão se abster de sexo por um longo período. Isso parece improvável. Ainda assim, o Vaticano tem permanecido em silêncio sobre essas questões.
O ponto 2370 catecismo católico afirma que é “intrinsecamente má qualquer ação que, quer em previsão do ato conjugal, quer durante a sua realização, quer no desenrolar das suas consequências naturais, se proponha, como fim ou como meio, tornar impossível a procriação”.
No Brasil, o único a se manifestar claramente sobre o assunto foi Luciano Brito, porta-voz da Arquidiocese de Olinda e Recife. Ele assevera que os católicos devem evitar o uso de controle de natalidade, independentemente do zika.
James Bretzke, professor de teologia no Boston College, é categórico: “A abordagem tradicional, polêmica, que a contracepção é enganosa ou demoníaca na sua origem… não é a melhor abordagem pastoral”.
Para o especialista, é preciso se ponderar as consequências, que traria muito sofrimento para a família e especialmente para a criança com defeitos congênitos. Ele acredita que pode ocorrer alguma manifestação do Vaticano, especialmente por que o papa Francisco vem mostrando uma posição mais ‘misericordiosa’ em questões como o aborto e a homossexualidade.
O mesmo pensa Ramirez, que lembra da exortação apostólica sobre a vida familiar que o Papa Francisco deve publicar no próximo mês.
O que pode ser um problema no ponto de vista teológico pode não ter grande influência na prática cotidiana. Segundo uma pesquisa realizada pela rede de TV de língua espanhola Univision, 88% dos mexicanos, 91% dos colombianos e 93% dos brasileiros apoiam o uso de contraceptivos. Com informações de CNN, Christian Today, Washington Post e Daily Mail