Inocência ou ignorância? Lei da Palmada é uma derrota para a FPE
Por Marco Feliciano
Fiquei perplexo ao ler um texto do presidente da Frente Parlamentar Evangélica (FPE) da Câmara dos Deputados em que, não sei se por ignorância ou por inocência – ou as duas coisas –, comemora a aprovação da “Lei da Palmada”, que a essa altura poderia muito bem ser chamada de “Lei da Xuxa”.
É típico de alguns mudarem de lado após a imposição da derrota. Afinal, como diz o velho ditado, “se não pode contra eles, junte-se a eles”. Mas eu não me deixarei capturar. Não houve vitória alguma, mas sim o despreparo da liderança da FPE em combater o texto criminoso aprovado pela Comissão de Constituição e Justiça (CCJ) da Câmara dos Deputados.
Que fique claro: o Estado não tem o direito de interferir no comportamento familiar. O artigo 1513 rechaça a interferência pública ou privada na vida instituída pela família. “É defeso a qualquer pessoa, de direito público ou privado, interferir na comunhão de vida instituída pela família”, diz o texto.
Como um líder pode ver como vitoriosa a aprovação de uma lei que cria uma geração de pequenos tiranos? Sim, pequenos tiranos. Quer prova disso? Leia o que leis semelhantes fizeram na Suécia, depois volto.
No início de outubro, o jornalista Ola Olofsson relatou seu espanto após ter ido à sala de aula de sua filha: “Dois garotos se xingavam, e eu não fazia ideia de que com apenas 7 anos de idade era possível conhecer aquelas palavras. Quando eu tentei intervir, eles me insultaram e me disseram para eu ir cuidar da minha vida”, conta à AFP.
Quase 800 internautas comentaram a crônica de Olofsson. Entre os leitores, um professor de escola primária relatou sua rotina ao passar tarefas a alunos de 4 e 5 anos: “Você acha que eu quero fazer isso?”, disse um dos alunos. “Outro dia uma criança de quatro anos cuspiu na minha cara quando eu pedi para que ela parasse de subir nas prateleiras”.
Voltei!
O livro “Como as crianças chegaram ao poder”, escrito por Eberhard, explica porque a proibição das punições – incorporada de forma pioneira ao código penal da Suécia em 1979 – levou, pouco a pouco, a uma interdição de qualquer forma de correção das crianças.
Não existe base cientifica, social e (atenção!) nem teológica para que alguém considere um lixo como a “Lei da Palmada” uma forma de garantia do direito das crianças e adolescentes receberem educação digna no ambiente familiar.
Bem, sou político e sei que não vou agradar algumas lideranças evangélicas com este texto, mas existem lideranças e “lideranças”, a liderança séria concordará com tudo que estou expondo aqui. Primeiro, porque a Bíblia garante o direito dos pais em corrigir seus filhos a fim de educa-los. “Não retires a disciplina da criança; pois se a fustigares com a vara, nem por isso morrerá”, diz o texto em Provérbios 23.13.
Antes de mais nada, caros leitores, nunca precisei encostar um dedo nas minhas filhas. Mas se tivesse feito, elas não se sentiriam “degradadas” por isso. Ao contrário, lembro-me de raras sacudidelas que tive de levar para não ser o que um burguês acreditava que eu seria: um trombadinha.
No dia da referida votação eu estava em uma pós cirurgia e, ao ficar sabendo do ocorrido, liguei imediatamente para o deputado Marcos Rogerio, integrante da bancada, e pedi que não negociassem com o Governo. Se a lei fosse aprovada, deveria ter sido aprovada sem o voto da FPE.
O líder da FPE, em anuência com outros, cedeu e por medo da repercussão “negativa” da polêmica gerada pelo deputado pastor Eurico negociou a aprovação do texto. E que fique claro: não importa como foi aprovada, se com ou sem palmadinhas, o Governo mostrou que basta dar uns gritos de ameaça de um escândalo, como o que fizeram comigo na Comissão de Direitos Humanos e Minorias da Câmara, para a liderança da FPE mais uma vez abandonar a luta em favor de um deputado que integra a bancada, como o Deputado Pastor Eurico.
O presidente toma como base o parecer do criminalista e professor de direito penal da USPAlamiro Velludo Netto, para afirmar que não haverá interferência em punições simbólicas de correção. Porém, o texto não define o que é “castigo físico” ou “tratamento cruel ou degradante”, certo? Então se a criança – em um exemplo que me enviaram – não quiser receber uma dose de vacina e ela for aplicada a força, há de se considerar “tratamento cruel ou degradante”?
E a Lei então especifica:
I – castigo físico: ação de natureza disciplinar ou punitiva aplicada com o uso da força física sobre a criança ou o adolescente que resulte em sofrimento físico; ou lesão;
II – tratamento cruel ou degradante: conduta ou forma cruel de tratamento em relação à criança ou ao adolescente que humilhe; ou, ameace gravemente; ou ridicularize.”
Quem vai definir o que “humilha” ou “ridiculariza” a criança? Se a criança achar que deve plantar bananeira sobre a mesa de um restaurante e o pai usar um tom de voz acima do normal com o menor, isso poderá ser considerado uma “humilhação” para a criança?
Como alguém pode considerar uma vitória “dada pelo nosso bom Deus” a aprovação de uma lei com esse teor? Ou o amigo deputado não leu o texto, ou não conseguiu perceber as brechas que existem na lei.
A redação é uma clara interferência do Estado no núcleo familiar e uma tentativa expressiva de tentar proibir a educação dos filhos coibindo, inclusive, o uso dos tradicionais – que não fazem mal a ninguém – corretivos físicos moderados. Foge de qualquer propósito ditar aos cidadãos como eles devem educar sua prole.